A Magia das Palavras

"A solidão não existe para o intelectual, para o homem que pensa e lê. Todos podem temê-la, menos ele o homem habituado a encontrar dentro de si o mundo."

Agora não me recordo a ordem dos livros que li. Vou falar deles apenas, sem ordem de leitura.

Sempre adorei a escrita da Torey Hayden. É maravilhosa a forma como consegue descrever temas tão fortes e ao mesmo tempo prender-nos ao livro. Antes de tudo, é importante salientar que as histórias escritas por ela são reais! Apenas mudam os nomes dos personagens por questões deontológicas.

Quando o livro saiu, só descansei quando o comprei (será que existe algum clube do estilo “Livroólicos Anónimos”?). Ainda tive esperança de poder ganhá-lo em algum passatempo, mas a sorte não estava do meu lado.


Ao inicio fiquei meio desiludida com o livro. Não sei. Este é um livro diferente dos anteriores, a própria autora o diz.

Nos anteriores, ela era professora de alunos com deficiências quer mentais que físicas. Tinha uma turma com quem interagia diariamente. Nesses livros, desde o inicio assistíamos a crianças normalmente marginalizadas a criar laços com uma estranha. Alguém que se importava com elas.

Ao contrário dos vários profissionais pelos quais as crianças passavam, Torey desenvolvia uma relação de amizade com elas. Não se tratavam apenas de casos.


Neste livro, a história centra-se na vida de Kevin, um rapaz com 15 anos (uma idade com a qual Torey não está habituada a lidar) e de uma menina com 7 anos (se não estou em erro).

Aqui, desde o inicio que ela fazia comentários do género “É tão feio”, coisa que não fazia nos anteriores. Ela não conseguia compreende-lo, o que era normal, visto o seu passado ser uma incógnita. (Mesmo quando ele melhora, ela percebe que melhorou por querer, não por causa dela, pelo menos directamente. É claro que as suas técnicas ajudaram)


Mas qual o problema do rapaz “enjaulado”? (Esta foi uma alcunha criada pelos funcionários, pois o adolescente colocava-se sempre debaixo das mesas, rodeado de cadeiras. O Menino não falava, não comunicava com as pessoas.)


Ao inicio, as suas sessões com Torey são frustrantes, até que ela começa a adoptar métodos quase ridículos para médicos especializados. Ela lia-lhe livros, cantava canções com ele, anedotas… Coisas normais… Que o fizeram falar com ela.

Mas para frustração dela, ele fala apenas com ela. Fora da sala de onde se realizam as sessões, ele volta a ser o mesmo miúdo, fechado em si mesmo.

Depois de algumas sessões, Kevin, começa a demonstrar várias facetas. Algumas delas mais violentas (chega a agredir Torey), outras mais artísticas, onde desenha com uma minuciosidade incrível. Mas, a parte assustadora, é que os seus desenhos mostram actos violentos demasiadamente detalhados (mortes, órgãos a sair das pessoas mortas).

Ao mesmo tempo que os progressos são notórios, Torey começa a perceber o desejo de vingança existente em Kevin em relação ao padrasto. Aos poucos, começa a contar coisas do seu passado. Mas sem registos e ao falar com determinadas pessoas, Torey não sabe no que há-de ou não acreditar.

O menino começa a falar de certas atitudes violentas por parte do padrasto. Fala-lhe da sua irmã mais nova, das suas aventuras com ela (cuja existência Torey chega a duvidar), e da sua morte, provocada pelo padrasto.
Vai ser difícil lidar com este adolescente, cuja vida é desconhecida. Sem documentos, sem nada.

Paralelamente a esta história, Torey inscreve-se num programa de “Irmãs mais velhas”, ou seja, ser a irmã do “faz de conta” de crianças que precisam de crianças que precisam de ajuda. A ela, calha-lhe uma miúda de nariz empinado, convencida e mentirosa. Mais tarde percebe que tudo isto é uma defesa criada pela menina.

A miúda começa a estar constantemente na sua casa, começa a fazer parte da sua vida. E ela, como “coração mole” que é, não consegue dizer que não. Vai ser interessante ver a evolução da sua relação com a criança.

Como estava a dizer, ao inicio não me estava a entusiasmar com o livro, estava entediada. Mas depois, não consegui parar de ler até ao final. Quando começamos a descobrir o passado de Kevin, um passado sombrio e violento, vemos que o menino não é assim tão mentiroso como diziam. Afinal, tudo o que ele dizia era verdade, tudo tinha uma razão de ser. É tão interessante ver como o passado de uma pessoa influencia tanto o seu futuro. É interessante ver as barreiras que uma criança consegue criar. Houve uma coisa que me marcou, algo que o Kevin disse.

Ele disse que às vezes era bom ser louco, ao menos davam-lhe injecções que faziam com que não sentisse nada. Que esquecesse tudo o que lhe tinha acontecido.

Não é assustador uma criança pensar desta maneira? Em todo o livro eu não consegui deixar de pensar: "Meu Deus! Como conseguem tratar miúdos inocentes desta maneira?".

Para juntar a tudo isto, o seu melhor amigo (que estava a trabalhar consigo) é despedido por ser homossexual. Aqui junta-se esta questão problemática, e vemos, que até uma criança consegue ver que isso não tem nada a ver com o trabalho. Pelo que me descreveram dele no livro, era uma pessoa fenomenal. Fiquei com imensa pena quando "saiu" da história, e houve uma cena que me fez chorar até quase morrer afogada (exagerada!). Uma cena, que acontece depois de ser despedido. Ele encontra-se com a Torey num bar, sentam-se e ele apenas diz isto:

“Sabes, este mundo é um lugar engraçado. Se eu fosse nazi, haveria quem defendesse o meu direito constitucional de odiar judeus. Se eu pertencesse ao Ku-Klux-Klan, alguém defenderia o meu direito de odiar os negros. Um lugar engraçado este mundo. O ódio tem direitos. O amor não.”

Digam-me, não é forte?

É um livro que descreve cenas fortes, não tanto como os anteriores. Faz-nos ver a realidade como ela é, e não numa névoa ilusória.

Existem muitas ideias a retirar neste livro, algumas maravilhosas, outras arrepiantes.

Quem nunca leu um livro desta autora, recomendo vivamente. É maravilhosa. E é tão bom ver como alguém consegue fazer tão bem a tanta gente.

Vou deixar outra frases que gostei do livro (não mostrotodas, porque não me recordo das páginas :D), tem a ver com a existência de Deus, a perspectiva do Kevin.

"Nenhum Deus faria um mundo onde houvesse tantas pessoas que não têm um único ser que as ame. Se o mundo tivesse sido feito segundo um plano, haveria pessoas suficientes para toda a gente ser amada."

E a explicação dele para a morte de muita gente: "Mal do coração. É como um cancro invisivel. Está no nosso coração. Pode-se senti-lo. Come-nos por dentro. É o que se tem quando não se faz seja o que for para além de nascer. O coração nunca é utilizado. E por isso apanha-se o mal do coração e o coração degrada-se. Muitas vezes, antes de o resto do corpo se degradar. Só que isso não tem importância porque, uma vez morto o coração, também estamos mortos."

Não se esqueçam: É um livro forte, com cenas simplesmente horriveis de violência.

Sinopse:

Quando a técnica de educação especial Torey Hayden aceitou ocupar-se do jovem Kevin de 15 anos, encontrou um miúdo a quem o mundo exterior causava pânico e que vivia fechado num mutismo voluntário No entanto aquela era apenas a parte visível de um abismo de sofrimento.
Em todas as instituições por onde passara, consideravam-no um caso perdido e a própria Hayden sentiu-o como um vencido e compreendeu que só por milagre conseguiria ultrapassar os muros que ele construíra à sua volta. Mas Hayden tem um coração maior que o mundo e sentia-se incapaz de desistir dele. Pouco a pouco foi descobrindo uma história chocante de violência e abandono e um terrível segredo que um indiferente processo burocrático tinha simplesmente esquecido.

10 comentários:

Definitivamente...uma autora a experimentar com urgência. Da forma como descreves os livros, parecem ser super interessantes!

ADorei a resenha.. Perfeita... Me convenceu a lê-lo.. XD

Olá meninas :)

Têm mesmo de experimentar! Mas dou-vos um conselho: Se ainda não leram nenhum dela, não comecem por este. Comecem por um mais antigo, pois neste, quem não está habituado ao tipo de escrita dela, não consegue entrar facilmente. :D

De todas as maneiras, ela é fantástica!!

Confesso que já tive muitas vezes para trazer este e outro livro (" A criança que não queria falar") da loja, mas sempre tive um pouco de receio de não corresponder ás minhas espectativas ..
Agora após de ler o teu comentário acerca do livro , garanto-te que dá próxima vez que for em busca de livros estes entram definitivamente na minha conta : )

Umas Boas Leituras e um Feliz Natal

P.S. Já tens mais uma seguidora

Olá Ines:D Obrigado pelo comentário!

Olha, acho que os livros desta autora valem sempre a pena. Tenho-os todos. Só ainda não li um que está ali em lista de espera.

"A Criança que não queria falar" é uma história bastante comovedora. É tão triste, mas ao mesmo tempo transmite tanta esperança...

Fiquei super curiosa.. com certeza vai ser uma das minhas próximas leituras.. Amei o Blog! bjoos

O único que li desta autora foi mesmo os Filhos do Afecto mas é assim que vejo a escrita dela. Poderosa e poética. :)

Olá Sara! Gostei muito de ler a sua resenha e fiquei com vontade de adquirir os livros da autora. Sei que as histórias são tristes e, ao mesmo tempo, trazem esperanças de dias melhores. É muito bom ver que a autora se dispôs a ajudar o seu próximo. Pretendo começar pelo primeiro livro para entrar bem no universo dela. Valeu a recomendação! Beijos!

Acabei á pouco tempo de ler o livro " A prisão do silêncio" e escolhi o livro para apresentar numa aula de português, já tinha lido "Uma criança em perigo" desta mesma autora e adorei, tal como gostei desde livro. Ler o que escreveu sobre o livro ajudou-me um pouco. :)

olá sara, o primeiro e até agora o unico livro que li desta autora foi este mesmo, e estou a adorar, ainda nao terminei, falta de tempo =\,gostei tanto k vim parar ao teu blog =D, amei a resenha!

agora quem me dera ter tds os livros dela *_*

simplesmente, parabens pelo blog, cativou-me a seguir esta autora =)